10 de março de 2010

(...) Não tirei bilhete para a vida,
Errei a porta do sentimento,
Não houve vontade ou ocasião que eu não perdesse.
Hoje não me resta, em vésperas de viagem,
Com a mala aberta esperando a arrumação adiada,
Sentado na cadeira em companhia com as camisas que não cabem,
Hoje não me resta (à parte o incômodo de estar assim sentado)
Senão saber isto:
Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Grande é a vida, e não vale a pena haver vida,
Arrumo melhor a mala com os olhos de pensar em arrumar
Que com arrumação das mãos factícias (e creio que digo bem)
Acendo o cigarro para adiar a viagem,
Para adiar todas as viagens.
Para adiar o universo inteiro.
Volta amanhã, realidade!
Basta por hoje, gentes!
Adia-te, presente absoluto!
Mais vale não ser que ser assim. (...)

Vê mais em
http://www.youtube.com/watch?v=SaRSBFc-VCA

Eliana

4 comentários:

micha disse...

Que testemunho... hmm. Uma pequena interpretação deste texto com Deus ausente... Que faz uma "postagem ateista" no nosso blog?? :) E se nós vissemos assim... A nossa vida? Sempre algo entre sentido e sem-sentido. Quem leu Eclesiastes e quem não fugiu dos abismos pessoais e sociais, sabe que não adianta fugir das dúvidas e do desespero. Há fases desérticas na nossa vida. No entanto, atenção! Perante tudo que me põe em causa e tudo que me assusta, perante toda a análise nihilista e reflexão negativista, perante toda a força violenta das emoções que nos querem convencer que não há saída, também existe a entrega (uma fé sem mrazão?) contra todos os argumentos da cabeça e do coração. Depois do grito angustiado "Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonaste?!!", Jesus arrisca: "Nas Tuas mãos entrego o Meu Espírito". Não há ressurreição sem morte.. --- Existem situações em que parece haver certeza que não há saída. Parece! Uma coisa está certa: sozinhos não vamos resolver a nossa vida e Deus procura-nos através dos outros. --- Não se deve sofrer sozinho. E há soluções com que nunca contámos. Este Deus é ainda muito maior e mais profundo de que vocês pensam. E mais íntimo do que a vossa dor e a vossa esperança podem ser. --- E ainda há tanta beleza e tanto aconchego a descobrir. Não fazem ideia!!

Eliana disse...

Bem, quando eu li este poema achei que Deus não estava ausente...Achei que o tema do poema era a mudança do ser, que antes se sentia solitário e que tudo à sua volta não dava certo... o que o levou a sentir uma falta de vontade de fazer o que quer que seja... A meio do poema a vida é vista como uma mala que precisa de ser arrumada, com camisas(sentimentos que o incomodam) e o sujeito poético vai reflectindo sobre a sua vida no fim ele consegue resolver os seus problemas e tornar a sua vida melhor...
Sim, Fernando Pessoa era agnóstico e não menciona Deus neste poema mas se encararmos que podíamos ser nos a passar pelo mesmo que o sujeito poético é compreensível que ele tenha posto Deus em segundo plano e, acho que depois dele ter ultrapassado a fase da vida a que o texto se refere ele vai perceber que Deus teve sempre lá tal como na história das pegadas na areia...

micha disse...

Bom. Gostei da tua interpretaçaõ e identifico-me. :)

Elly disse...


Se não puderes ser um pinheiro, no topo de uma colina,
Sê um arbusto no vale mas sê
O melhor arbusto à margem do regato.
Sê um ramo, se não puderes ser uma árvore.
Se não puderes ser um ramo, sê um pouco de relva
E dá alegria a algum caminho.

Se não puderes ser uma estrada,
Sê apenas uma senda,
Se não puderes ser o Sol, sê uma estrela.
Não é pelo tamanho que terás êxito ou fracasso...
Mas sê o melhor no que quer que sejas.